Por Rev. Augustus Nicodemus Lopes
Um dos argumentos mais usados para se justificar coisas estranhas que
acontecem nos cultos evangélicos neopentecostais é a declaração de Paulo em
2Coríntios 3:17:
"Ora, o Senhor é o Espírito; e,
onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade."
O raciocínio vai mais ou menos assim: quando o Espírito de Deus está
agindo num culto, Ele impele os adoradores a fazerem coisas que aos homens
podem parecer estranhas, mas que são coisas do Espírito. Se há um mover do
Espírito no culto, as pessoas têm liberdade para fazer o que sentirem vontade,
já que estão sendo movidas por Ele, não importa quão estranhas estas coisas
possam parecer. E não se deve questionar estas coisas, mesmo sendo diferentes e
estranhas. Não há regras, não há limites, somente liberdade quando o Espírito
se move no culto.
Assim, um culto onde as coisas ocorrem normalmente, onde as pessoas não
saltam, não pulam, não dançam, não tremem e nem caem no chão, este é um culto
frio, amarrado, sem vida. O argumento prossegue mais ou menos assim: o Espírito
é soberano e livre, Ele se move como o vento, de forma misteriosa. Não devemos
questionar o mover do Espírito, quando Ele nos impele a dançar, pular, saltar,
cair, tremer, durante o culto. Tudo é válido se o Espírito está presente.
Bom, tem algumas coisas nestes argumentos com as quais concordo. De
fato, o Espírito de Deus é soberano. Ele não costuma pedir nossa permissão para
fazer as coisas que deseja fazer. Também é fato que Ele está presente quando o
povo de Deus se reúne para servir a Deus em verdade. Concordo também que no
passado, quando o Espírito de Deus agiu em determinadas situações, a princípio
tudo parecia estranho. Por exemplo, quando Ele guiou Pedro a ir à casa do pagão
Cornélio (Atos 10 e 11). Pedro deve ter estranhado bastante aquela visão do
lençol, mas acabou obedecendo. Ao final, percebeu-se que a estranheza de Pedro
se devia ao fato que ele não havia entendido as Escrituras, que os gentios
também seriam aceitos na Igreja.
Mas, por outro lado, esse raciocínio tem vários pontos fracos,
vulneráveis e indefensáveis. A começar pelo fato de que esta passagem, "onde
está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (2Cor 3:17) não tem
absolutamente nada a ver com o culto. Paulo disse estas palavras se referindo à
leitura do Antigo Testamento. Os judeus não conseguiam enxergar a Cristo no
Antigo Testamento quando o liam aos sábados nas sinagogas pois o véu de Moisés
estava sobre o coração e a mente deles (veja versículos 14-15). Estavam cegos.
Quando porém um deles se convertia ao Senhor Jesus, o véu era retirado. Ele
agora podia ler o Antigo Testamento sem o véu, em plena liberdade, livre dos
impedimentos legalistas. Seu coração e sua mente agora estavam livres para ver
a Cristo onde antes nada percebiam. É desta liberdade que Paulo está falando. É
o Senhor, que é o Espírito, que abre os olhos da mente e do coração para que
possamos entender as Escrituras.
A passagem, portanto, não tem absolutamente nada a ver com liberdade
para fazermos o que sentirmos vontade no culto a Deus, em nome de um mover do
Espírito.
E este, aliás, é outro ponto fraco do argumento, pensar que liberdade do
Espírito é ausência de normas, regras e princípios. Para alguns, quanto mais
estranho, diferente e inusitado, mais espiritual! Mas, não creio que é isto que
a Bíblia ensina. Ela nos diz que o fruto do Espírito é domínio próprio (Gálatas
5:22-23). Ela ensina que o Espírito nos dá bom senso, equilíbrio e sabedoria
(Isaías 11:2), sim, pois Ele é o Espírito de moderação (2Tim 1:7).
Além do uso errado da passagem, o argumento também parte do pressuposto
que o Espírito de Deus age de maneira independente da Palavra que Ele mesmo
inspirou e trouxe à existência, que é a Bíblia. O que eu quero dizer é que o
Espírito não contradiz o que Ele já nos revelou em sua Palavra. Nela
encontramos os elementos e as diretrizes do culto que agrada a Deus.
Liberdade no Espírito não significa liberdade para inventarmos maneiras
novas de cultuá-lo. Sem dúvida, temos espaço para contextualizar as
circunstâncias do culto, mas não para inventar elementos. Seria uma contradição
do Espírito levar seu povo a adorar a Deus de forma contrária à Palavra que Ele
mesmo inspirou.
Um culto espiritual é aquele onde a Palavra é pregada com fidelidade,
onde os cânticos refletem as verdades da Bíblia e são entoados de coração, onde
as orações são feitas em nome de Jesus por aquelas coisas lícitas que a Bíblia
nos ensina a pedir, onde a Ceia e o batismo são celebrados de maneira digna. Um
culto espiritual combina fervor com entendimento, alegria com solenidade,
sentimento com racionalidade. Não vejo qualquer conexão na Bíblia entre o mover
do Espírito e piruetas, coreografia, danças, gestos. A verdadeira liberdade do
Espírito é aquela liberdade da escravidão da lei, do pecado, da condenação e da
culpa. Quem quiser pular de alegria por isto, pule. Mas não me chame de frio,
formal, engessado pelo fato de que manifesto a minha alegria simplesmente
fechando meus olhos e agradecendo silenciosamente a Deus por ter tido
misericórdia deste pecador.
***
Fonte: O Tempora! O Mores!
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